O material apresentado nesta seção do Blog, deve ser lido e considerado em seu contexto histórico e sua relevância para a formação do pensamento social, político, e até o teológico da sociedade moderna e dos diversos momentos da história da humanidade. Isto, entretanto, não significa dizer que subscrevo todas as idéias contidas nos textos e livros aqui publicados, mas apenas que reconheço a importância que exerceram e exercem sobre a história de todo o pensamento ocidental. Creio que todos terão o discernimento e filtro característicos daqueles que possuem a mente de Cristo, levando ainda, em consideração, o ensinamento de 1 Tessalonicenses 5:21 - Examinai tudo. Retende o bem.


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segunda-feira, julho 10, 2006

AS GALINHAS DA BACON - A Previsão do Futuro

Este é o 10º artigo desta série. Os três últimos são:

07 - A Lança de Lucrécio
08 - A Navalha de Occam
09 - O Príncipe de Maquiavel

Os cachorros esperam ser levados para passear em horários regulares e resistem a alterações de seu percurso habitual. Os seres s humanos não são diferentes e executam seus afazeres diários na expectativa de que o que foi verdadeiro ontem continuará a ser verdadeiro amanhã. O Sol continuará a se levantar de manhã e os objetos cairão no chão em vez de subir até as nuvens. Pensamos que esses eventos são governados pelas leis na natureza e podem ser previstos com segurança, mas por vezes nossas expectativas gerais são contrariadas. Sempre que usamos um número limitado de exemplos tomados do passado para provar uma regra que se aplica a todos os exemplos que poderíamos encontrar no futuro, estamos usando um método chamado indução. Empregamos a indução quando nossos pensamentos se movem do particular para o geral, ou do que experimentamos para o que não experimentamos. No sentido mais estrito, nada pode ser verdadeiramente provado por indução. Por mais vezes que tenhamos observado algo acontecer em determinada circunstância, não podemos ter absoluta certeza de que o mesmo acontecerá sempre que tal circunstância se repetir. Como Bertrand Russell observou: “O homem que deu comida para a galinha todos os dias da vida dela um belo dia torce-lhe o pescoço, mostrando que noções mais refinadas no tocante à uniformidade da natureza teriam sido úteis à galinha”. Não há dúvida de que o fato de alguma coisa já ter acontecido muitas vezes leva homens e galinhas a esperar que ela volte a acontecer. Segundo Russell, nossos instintos nos levam a acreditar que o Sol nascerá de novo amanhã, mas quem garante que não estamos na mesma posição que a malfadada ave? As leis na natureza parecem estar operando tão vigorosamente como sempre e até agora não deram nenhum sinal de hesitação, mas afirmar que a natureza será uniforme no futuro porque sempre o foi no passado é incorrer em petição de princípio. A natureza só será uniforme no futuro, é claro, se o for. Dado o grau em que nossa vida cotidiana depende de suposições indutivas, pareceria estranho chamá-las irracionais, mas para muitos filósofos é precisamente isso que são.

O primeiro filósofo moderno a fazer uma análise relevante da indução foi Sir Francis Bacon, nascido em Londres em 1561. Na qualidade de filho de Sir Nicholas Bacon, guardião do Selo Real – uma das maiores autoridades do Estado -, Francis foi criado em meio a privilégios e educado no Trinity College, em Cambridge, a alma mater de Bertrand Russell no século XX. A principal carreira de Bacon não se deu no campo da filosofia. Ele se tornou advogado aos dezesseis anos e político aos vinte e três. Em 1584 foi eleito para a Câmara dos Comuns, onde trabalhou por trinta anos. De seu assento parlamentar, cumulou Elisabete I de conselhos sobre como deveria governar o país. Suas opiniões foram completamente ignoradas e, em 1593, Bacon perdeu a pouca influência que tinha quando se opôs a um projeto de subsídio real para financiar futuras guerras com a Espanha.

Bacon entendeu-se muito melhor com Jaime I, que subiu ao trono inglês em 1603 e o fez cavaleiro no mesmo ano. O rei aprovou suas idéias sobre as prerrogativas reais e recompensou-o com a procuradoria geral em 1613. Em 1618 ele foi nomeado presidente da Câmara dos Pares e elevado a barão de Verulam, tendo se tornado visconde de Saint Albans três anos depois. Bacon conduziu sua carreira com o mesmo ethos que levou para a filosofia. A natureza, acreditava, revelaria seus segredos suavemente, sob estreita observação, não por ação da força bruta. Em assuntos de Estado, ele foi um maquinador que trabalhava no intuito de agradar aos que ocupavam altos postos. Chegou até nós um caderno em que ele freqüentemente rabiscava lembretes para lisonjear protetores potenciais e estudar as fraquezas de rivais. Para a sensibilidade de nossos dias, o pior ato de Bacon foi ter participado de um interrogatório sob tortura de um clérigo acusado de traição. Era, no entanto, leal a seu rei, generoso com os amigos e bondoso com seus criados. Sua abordagem indireta do poder propiciou-lhe uma carreira ilustre, mas sua queda, quando veio, foi vertiginosa. Mal envergara seu manto de visconde, foi acusado de aceitar suborno perante aquele mesmo tribunal de recursos que antes encabeçara. Bacon confessou sua culpa, mas declarou que aqueles presentes não haviam influenciado seu julgamento. Nisso estava provavelmente dizendo a verdade, já que os dois querelantes se queixaram de ter perdido suas ações, embora ele tivesse aceitado seus subornos. Após um curto período na Torre de Londres em 1621, Bacon foi banido do Parlamento e da corte. Embora seu crime fosse comum entre seus colegas juízes, Bacon observou, com magnanimidade, que a punição era adequada e justa. Sua vida pública terminara, mas isso não o impediu de passar o resto de seus dias escrevendo obras de filosofia.

Bacon almejava restituir ao homem um domínio sobre a natureza de que não gozava desde o Jardim do Éden. O caminho para isso, pensava, não era a especulação abstrata dos filósofos (que chamou “infrutíferas”), mas a cuidadosa observação da natureza e de seus procedimentos. Afirmou que o problema das crenças de seus predecessores sobre a natureza era serem repletas de pressupostos dogmáticos ou resultar de generalizações precipitadas a partir de um mero punhado de casos. Propôs que verdades gerais deviam ser determinadas por uma ascensão gradual de graus menores para graus maiores de universalidade. Portanto, como a existência de um corvo preto não prova serem todos os corvos dessa cor, deveríamos começar verificando se todos os corvos, digamos, da Torre de Londres são pretos, depois os de Londres, depois os do mundo. Em algum momento, ele esperava, chagaríamos a crenças sobre o mundo que se aplicariam a todos os casos e estariam acima de qualquer dúvida sensata. Bacon começou a adotar esse procedimento compilando tabelas de suas observações e usando um processo de eliminação para determinar as propriedades que estavam sempre presentes numa dada situação e as que eram meramente incidentais. Foi usando esse método que inferiu, corretamente, que o calor era causado pela vibração de pequenas partículas.

A vantagem do método de Bacon é enraizar-se no mundo que podemos ver e tocar e não deixar se arrastar por vôos fantasiosos sobre a origem das coisas. Mas há um problema concomitante. Enfrentaríamos uma tarefa enfadonha se tomássemos Bacon ao pé da letra e começássemos com generalizações básicas antes de passarmos para teorias mais amplas. Há no mundo tantos dados para tantas teorias que não saberíamos onde começar, ou onde terminar. É provável, também, que morrêssemos de velhice antes de conseguir levar a cabo observações suficientes para descobrir uma só lei da natureza. Por si só, a observação não orientada é insuficiente, a ciência precisa também de hipóteses – palpites racionais para guiar nossa pesquisa -, e elas brotam da imaginação do cientista e não apenas do mundo à sua volta. Foi só no século XIX, com a pesquisa de Darwin nas ilhas Galápagos, que o método meticuloso e laborioso de Bacon foi empregado pela ciência com inequívoco sucesso.

Apesar de todas as deficiências da indução como método de pesquisa científica, ainda nos apoiamos nela quando esperamos que o açúcar adoce nosso café em vez de torná-lo amargo. Nossa crença nessa regularidade é tão entranhada que, se uma manhã nosso café tivesse um gosto esquisito, suporíamos que usamos sal por engano, em vez de pensar que o açúcar perdera seu poder adocicante da noite para o dia. Não nos agrada pensar que suposições desse tipo são precipitadas, pois as explicações para as regularidades no mundo não nos parecem completos mistérios. Quando um tijolo é atirado a uma vidraça, ela se quebra porque vidros são frágeis e tijolos são duros. A ação de quebrar não acompanha o arremesso do tijolo de maneira inexplicável. Quando observamos o episódio, um evento parece levar ao outro de maneira “fácil” e natural. Se o tijolo se transformasse em um ramo de flores ao atingir a janela, não concluiríamos de imediato que a causa dessa transformação fora o arremesso. Pensaríamos, isto sim, que estávamos diante de uma pilha de tijolos falsos, que continham flores ocultas, ou suporíamos que estávamos alucinando e deveríamos ir ao médico. Como o cético David Hume formulou outra vez: “Comparo um milagre com outro e sempre rejeito o maior”. Só nos convenceríamos de que o arremesso de um tijolo produz flores se pudéssemos observar atentamente cada passo desse processo para ver como ele acontece, sem deixarmos nenhuma brecha escondida em que a “mágica” pudesse ocorrer. Uma única observação bastaria para nos satisfazer se pudéssemos ver em câmera lenta o revestimento do tijolo falso abrir-se para revelar as flores em seu interior. Podemos fazer uso da indução para compreender o mundo, mas também extraímos nossas expectativas de um entendimento sólido de coisas como tijolos e flores.

Por vezes o senso comum nos aconselha a rejeitar conclusões que a indução não levaria a acreditar prováveis. Se a probabilidade de recorrência de um fenômeno aumenta cada vez que ele ocorre, quanto mais vivemos, maior o número de manhãs em que acordamos, e portanto, a probabilidade de acordarmos uma outra manhã aumentaria cada dia que vivêssemos. Por essa lógica, é justamente no dia que morro que tenho menos probabilidade de morrer. Podemos rejeitar essa conclusão facilmente com base em nosso entendimento mais amplo da vida e da morte. No entanto, esse entendimento mais amplo é apoiado o tempo todo por uma confiança na indução e na uniformidade da natureza. Devo observar não apenas a regularidade de meu próprio despertar a cada manhã, mas também a regularidade com que indivíduos de certa idade morrem durante o sono. Assim, uma indução é contrariada por uma indução diferente. Se reconstituirmos as origens da compreensão até um ponto suficientemente remoto, chegaremos a conclusões que repousam em uma fé cega na uniformidade da natureza.

Seríamos loucos de pedra se duvidássemos dessa uniformidade. Ao que tudo indica, ter hábitos é parte do que significa ser racional. Há certos princípios segundo os quais devemos viver, mas que não podemos justificar pelo uso da lógica. Por exemplo, acreditamos que saltar de edifícios altos é fatal porque demonstrou sê-lo para todos os que tentaram. E eu, embora não possa provar que será igualmente letal no futuro, seria considerado maluco se testasse isso jogando-me de um arranha-céu. Se não é rigorosamente lógico esperar que o futuro se assemelhe ao passado, certamente não é mais lógico esperar que não o faça. A galinha de Bertrand Russell que tem o pescoço torcido em uma bela manhã não é uma criatura mais estúpida por esperar ganhar comida aquele dia. Russell não foi o único a subestimar as galinhas. Após realizar um experimento pioneiro em refrigeração recheando uma galinha com neve, Sir Francis Bacon pegou um resfriado e morreu em 1626.

O próximo artigo desta série é O DEMÔNIO DE DESCARTES